terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Capítulo I do livro "Um crime quase perfeito"

06 de Julho de 2006 -  (Quinta-Feira)

I


Dra. Regina, em sua sala, analisava exames de ressonância magnética e redigia os últimos laudos médicos dos seus pacientes...
O relógio marcava exatos 18:50h. Seu consultório fechara para o público, mas ela prosseguia em seu trabalho interno, incansável, com dedicação e profissionalismo. Lá fora o clima era frio. E garoava. O vento, buliçoso, ricocheteava na vidraça e sacudia as persianas. Embora a temperatura da sala estivesse aconchegante, fiapos de ar congelante entravam pelas frestas da janela e inundavam o recinto. Era o inverno com seu manto de gelo envolvendo a cidade e dando mostras de que, além do frio, os dias seriam curtos e as noites longas...
Compenetrada em seus afazeres, ela alternava o olhar entre os papéis e as chapas médicas. Vez por outra o facho de luz dos faróis dos carros no lado de fora penetrava pelo vidro entre as persianas, clareava o ambiente e se dissipava. Cabisbaixa, estava apressada em dar os diagnósticos para os pacientes. Além de tudo, da pressão dos clientes e compromissos sociais, vivia ultimamente em meio a um turbulento problema pessoal. Ressalte-se, não problema financeiro, esse de certa forma era mínimo, bem administrado e estava sob controle. Eram problemas no plural, mas de ordem passional. Sim, aqueles problemas que vêm do âmago do ser, o amor, e quando vêm quem os controla ou os segura? Tentava mitigá-los e esgarçá-los para que se dissipassem no subconsciente. No entanto, renitentes voltavam e a deixava apreensiva. “Sentimentos amorosos não se esvaem assim”, pensava ela, “como bruma da manhã aos raios do sol. Eles ficam na mente e no coração a ribombar como ondas nos penedos à beira mar, intermitentes. Quando, nas inter-relações matrimoniais, a teia dos sentimentos não têm os nutrientes do amor, os filamentos rompem-se facilmente. E é irreatável. Algo como um tendão que se rompe e as duas pontas se separam e se distanciam”. Ela vivia esse momento crítico. Sentia a distância, o esfriar das labaredas que ardem nos corpos dos amantes, pois o fogo não queima nas cinzas, e quando a chama do amor extingue-se, a separação se cauteriza. É causa e efeito, um caminho bifurcado para dois destinos em dois pontos cardeais distantes e divergentes. Assim findam-se belas histórias principiadas no altar e sacramentadas na certidão conjugal...
Por mais que ela tentasse dividir-se entre trabalho e amor, de forma racional e equilibrada, uma das duas opções ficava mais prejudicada que a outra, posto que o coração é um só, o pêndulo do ser, e tende a agir numa direção que ele próprio controla, e nós somos os controlados. E o coração dela era uma usina de onde ultimamente irradiava pouco lúmen de felicidade e muita escureza de aborrecimento. Não obstante, naquele momento o trabalho sobrepunha-se e assumia um primeiro plano. Haviam dores a serem abrandadas, doenças a serem curadas, vidas a serem salvas. E “salvar” a sua própria vida, naquele estágio, ficara em segundo plano... Tinha de carregar o estigma - divorciar-se do marido e conviver em harmonia com seu novo amor, outro médico, também com um divórcio em fase final.
Por um segundo, cansada, empilhou as chapas médicas, empurrou o bloco de receitas médicas para o canto da mesa e pôs-se a refletir sobre as últimas cenas com o marido em casa, quando ele em voz alta vociferou com o dedo em riste, em tom ameaçador:
-Não dá mais Regina. Está insuportável. Definitivamente nosso casamento é um fracasso!
-É um fracasso, Martin, porque você esqueceu seu papel de pai e de marido. – Ela retrucou olhando-o fixamente nos olhos, faiscantes, temerosa de alguma reação abrupta, a qual, por mais que discutissem, nunca se efetivara. Mas ela temia, pois no trabalho ele tinha promovido algumas confusões intempestivas.
A lembrança desse ríspido diálogo estava latente em sua memória, desde o início do ano, quando ele resolvera “definitivamente fazer as malas, deixar a família e morar num apart-hotel “provisoriamente””, segundo lhe dissera.
Ela, por sua vez, decidira reerguer-se emotivamente e construir uma vida nova. Recuperar o tempo e o amor perdido, dar-se uma chance de ser feliz novamente. Sabia que havia uma grande lacuna de alegrias a ser preenchida e um amanhã de desafios que deveria enfrentar. E queria, não contorná-lo, mas transpô-lo. Dentro de si a emoção se movia mais forte que a razão. E o que um coração desamado não faz ao encontrar um novo amor?
Ela estava sozinha no consultório. Os últimos clientes, retardatários, há muito foram atendidos e se retiraram. Sua secretária cumprira o horário de expediente e também a deixara, ouvindo dela a enganosa promessa “também estou indo, já, já...” E se passara mais de uma hora, desde então...
Lá fora a garoa aumentava, o vento recrudescia e desfolhava a verdejante copa dos fícus no pequeno estacionamento na entrada do consultório, espalhando folhas na calçada num redemoinho intenso. A recepção da clínica estava clara. E vazia.

De repente, rompendo o silêncio, o telefone tocou. Ela espreguiçou-se e retirou o aparelho do gancho. Porém, ao atender só deu tempo de ouvir, do outro lado da linha, o som de uma respiração abafada e em seguida o “toque” de “ocupado”. Pensou, “tem gente que não tem nada pra fazer e fica brincando com o telefone uma hora dessas...”. Bocejou, esfregou os olhos, colocou os óculos e conferiu o relógio. Disse para si mesma que “já é hora de ir” e deu por encerrado os trabalhos. Recolheu os exames e as fichas médicas e os colocou nas pastas do arquivo. Fechou as cortinas da janela e trancou as gavetas da mesa. Demorou-se mais alguns minutos arrumando-se para sair. Desligou o computador, a impressora e apagou as luminárias da sala. Nesse exato instante, furtivamente, um vulto a surpreendeu por trás quando girava a chave para fechar a porta da sala. Seu corpo, agarrado violentamente, foi erguido no ar por braços fortes e, embora lutasse contra o agressor e gritasse por socorro, ninguém lá fora podia ouvi-la. A rua estava erma. O vento lá fora sibilava e a porta de entrada estava trancada. Nenhuma alma vivente passava por ali naquele momento para que seus gritos de agonia fossem ouvidos. Ela estava só, suspensa por braços estranhos, pernas bailando no ar, chutando seu agressor, paredes, móveis, porta... Tentava se desvencilhar, mas sua força era limitada. Estava, lentamente, sendo sufocada e sua voz, pouco a pouco, se esvanecendo junto com uma sôfrega respiração. Transcorreram, talvez, apenas dois minutos... Uma eternidade para o agressor; um breve instante para a vítima. Seu corpo, sob as vestes brancas da paz, jazia sob a violência, estendido no chão junto à porta da sala entreaberta. O agressor, para completar “seu trabalho”, abriu a bolsa que ela levava e subtraiu valores - dinheiro, cheques, cartões de crédito... Desprezou apenas o aparelho celular. Vasculhou, ainda, seu corpo e apossou-se das suas joias. O relógio que ela tinha no pulso, cuja pulseira se rompera, também desprezou, na luta ficou danificado por uma pancada na parede. Por fim, antes de evadir-se, tomou derradeiras precauções. Dirigiu-se ao sistema de “circuito interno de TV”, subiu numa cadeira e quebrou abruptamente a câmera. Pouco se preocupou que seu rosto fosse ou não gravado, pois o escondia sob um “gorro de motoqueiro”. Também não se incomodou com o fato de manusear os objetos, pois usava luvas de couro para não deixar impressões digitais. Em seguida desligou o aparelho de vídeo-cassete, desconectou os cabos e fios. Ejetou a fita que gravara sua entrada no recinto e os atos que praticara, atirou-a com ímpeto contra o chão e a pisoteou. Pegou uma sacola plástica da clínica e recolheu dentro os fragmentos da fita. Desligou as luminárias, encostou a porta e saiu. Seu carro estava à porta, estacionado. Em seguida, cantando os pneus, tomou a avenida em direção central e se evadiu. Duas quadras à frente parou rapidamente ao lado dum prédio em construção, onde sob a calçada havia uma caçamba de entulhos, e livrou-se da sacola atirando-a dentro, entre o lixo e os restos de construção... 

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